2001
Esperando o sono chegar,
garimpava a Net na busca de novas emoções, e meio que empurrado pelo destino,
decidi entrar numa sala de bate-papo do UOL, mais precisamente da cidade de São
Paulo.
- Profano entra na sala.
Conversei por alguns
minutos com algumas pessoas que ali se encontravam, com os mais bizarros
apelidos, quando de repente...
- Gordinha entra na sala.
Subitamente, como se
fôssemos atraídos por uma força gravitacional, iniciamos um diálogo,
prevendo-se que estaríamos a quilômetros de distância um do outro:
- De onde vc tc?
- De Amparo / SP. E vc?
- Eu também.
Começava, neste momento,
nossa história de amor.
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Para mim, a Internet
nunca foi apenas um meio de entretenimento e pesquisa, e sim, mais uma
importante ferramenta de expressão e comunicação. Nunca imaginei que uma
simples conversa virtual me levasse ao encontro de Elisângela, uma professora
de Matemática, totalmente desprovida de pré-conceitos.
Depois de alguns meses de
contatos â distancia (via net e tel.), finalmente nos conhecemos pessoalmente,
não demorando muito para iniciarmos um namoro repleto de aventuras “adaptadas”.
Para ela, tudo era novidade, visto que nunca havia estabelecido relação com um
cadeirante, mesmo que social. A cada dia, Elis me surpreendia com seu jeitinho,
mostrando que sempre foi livre para amar e provando que, aquilo que muita gente
dizia ser um ato de coragem, era somente a entrega à uma chance de ser feliz.
2004
Neste ano, vários
problemas de saúde assombraram novamente nossa casa (novamente, porque em 1984
vivenciamos alguns dramas semelhantes). Aos poucos, fui percebendo um avanço do
enfraquecimento muscular, acompanhado de cansaço e dores nas costas (tudo acima
do “normal”), no qual foi aumentando no decorrer do ano. Claro que isso afetou
diretamente meus trabalhos na Câmara Municipal de Amparo, onde eu atuava como
vereador desde 2001. Se não bastasse, minha querida mãe enfrentava outro
Câncer, dessa vez no ovário, iniciando, outra vez, uma longa e intensa batalha (em
84, o Câncer de Mama quase a levou). Com todos esses problemas, tomei uma das
mais difíceis decisões da minha vida. Para a decepção de muitas pessoas,
principalmente no segmento o qual eu representava, não tentei a reeleição.
Agora, longe da política local
(depois de ter tomado... qualquer hora eu falo sobre isso), voltei a me cuidar,
retomando com intensidade as sessões de Fisioterapia e, também, iniciando um
rigoroso acompanhamento médico em São Paulo/SP (AACD e Instituto do Sono). Ao
mesmo tempo, consegui concentrar minhas energias no tratamento da “Dona” Maria.
2007
Continuando nossa viagem
no tempo, chegamos na tarde de 15 de Setembro, na Catedral Nossa Senhora do
Amparo, onde aconteceu o casamento de Gordinha & Profano (nossos codinomes
naquela sala de bate papo... lembra?). E foi tudo conforme determinam as
convenções religiosas e sociais, afinal, éramos (ou tentávamos ser) um casal
“normal”. Após dois anos de feliz união, chegou o momento de tomarmos uma
importante decisão: ter ou não ter filhos? Naquele momento, vários fatores
foram colocados na balança, sendo um deles o “tempo”, pois eu estava com 41 e
ela com 36 primaveras completadas. Outro importante elemento a considerar
(colocado inclusive por aqueles que nos observavam do lado de fora) era
relacionado à disposição de Elis para cuidar de dois bebês, uma vez que sou
totalmente dependente, embora pudéssemos contar com nossa família em eventuais
necessidades, principalmente com minha mãe. Após avaliarmos todos os ângulos, o
desejo de sermos papai e mamãe prevaleceu.
2009
Infelizmente, as
tentativas naturais (leia-se relações sexuais) não foram bem-sucedidas e o
resultado de um Espermograma foi muito desanimador, pois o fato de ser
cadeirante, desde sempre, me tornou estéril (ou quase). Não satisfeitos com a
fala pessimista do médico, ou seja, inconformados com a aparente falta de
perspectiva de um dia sermos pais biológicos (e ao mesmo tempo, já pensando
numa provável adoção), procuramos informações na AACD, a respeito de um
possível tratamento em São Paulo. Meu Neurologista nos motivou a prosseguirmos
na busca deste sonho, e prontamente, nos orientou devidamente sobre os passos
seguintes. Resumindo, fomos encaminhados primeiramente ao Projeto Genoma, na
USP, onde fizemos aconselhamento
genético, a fim de obtermos respostas concretas sobre a possibilidade
de nosso filho herdar geneticamente minha patologia neuromuscular (AME tipo
II). Superada com sucesso essa primeira barreira, pois os resultados dos exames
foram muito motivadores, procuramos o Centro de Reprodução Humana, na UNIFESP,
para darmos início ao tratamento de fertilidade. Os primeiros procedimentos,
incluindo exames específicos, nos mostraram que a única chance de obtermos
êxito seria através de uma intervenção cirúrgica em mim, ou seja, a coleta do
esperma feita diretamente do meu testículo (Aaaaaiiiiii!). Aceitamos a proposta
e entramos de corpo e alma naquela jornada.
Em Julho, durante minhas
férias de faculdade (depois eu falo sobre meu retorno ao ambiente escolar),
depois de dezenas de idas e vindas, de Ambulância, à São Paulo e incansáveis e,
talvez, desnecessárias explicações aos nossos familiares, chegou o grande dia
da coleta dos materiais. A cena era a seguinte: numa manhã de Domingo, um casal
de caipiras extremamente assustados e ansiosos, distantes de casa, num ambiente
totalmente desconhecido. Enquanto os médicos, numa sala de cirurgia, extraiam
meus queridos espermatozóides diretamente da “fonte”, numa outra sala, outra
equipe extraía os óvulos de Elis. Imediatamente a essa etapa, foi realizado o
procedimento crucial, denominado FIV (Fertilização In Vitro).
Nos dois dias seguintes,
já em nossa terrinha, recebíamos, por telefone, informações atualizadas a
respeito do andamento do processo, até que, no terceiro dia, nos chegou a notícia
de que haviam sido fecundados 3 óvulos. Imediatamente, minha amada voltou para
a “Capitar”, onde os benditos foram implantados em seu ventre. Bem... saltando
algumas semanas, vamos diretamente para o resultado do beta
HCG: BINGO!! Estávamos grávidos!
A gravidez da Elis
transcorreu na mais perfeita ordem, graças ao apoio de nossas famílias,
principalmente de minha mãe, pois quando a gestação se encontrava na reta
final, Dona Maria voltou a cuidar de mim, como nos velhos tempos de solteiro.
2010
Dia 29 de março de 2010
(uma segunda-feira), às 10h14, na Santa Casa Anna Cintra, Amparo/SP. Estes são
a data, o horário e o local que marcam nosso renascimento. Começava aí, para
nós, a mais intensa e sensacional experiência de vida, pois chegava a este
mundo louco a nossa filha!
Sempre estaremos
dispostos a lhe oferecer muito amor e transmitir nossos valores. Cabe a nós
mostrar-lhe os caminhos; cabe a ela fazer suas escolhas e vivenciar as
consequências.
O fato de ser um pai
com deficiência (com um quadro congênito de tetraplegia) não classifica minha
história como “especial”, mas, sim, “diferente”. Algumas peculiaridades que
permeiam nossa relação de pai e filha são, inevitavelmente, distintas, se
comparadas com outras histórias. A criatividade,
por exemplo, é um componente bastante presente, principalmente em nossas
brincadeiras, quando ela mesma cria adaptações para que eu possa participar.
Nossa vivência diária
não é pautada pela minha limitação; aliás, para ela, a deficiência é apenas uma
característica minha e a cadeira de rodas, um acessório qualquer e, muitas
vezes, um brinquedo divertido, ou seja, é tudo, menos sinônimo de tristeza.
Inevitavelmente, minhas
experiências como cadeirante lhe proporcionam um olhar mais apurado e sensível
com relação às diversidades que compõem nosso mundo. Por exemplo, quando ela
observa um local onde a escada é a única opção de entrada, minha princesa já
protesta em voz alta: “Ah! Meu pai não
consegue entrar aqui!”! Do mesmo modo, quando ela vê um carro estacionado
numa vaga exclusiva para pcd’s, imediatamente a “fiscal-mirim” questiona: “Olhe, pai! Ele parou na ‘sua’ vaga! Será
que é cadeirante igual a você?”. Esta é a Lavínia!
2011
Dia 12 de Abril (terça-feira): o dia mais
triste desta minha existência! Depois de um ano de convivência com sua neta,
partia deste mundo, minha mãe Maria, a mulher que me construiu.
“M” de Maria e Mãe com “M” maiúsculo! Seu
amor por mim era incondicional e inesgotável. Protetora e cuidadora, sempre foi
uma extensão de meus braços e pernas. Uma fortaleza, porém, frágil por fora.
Não sabia ler nem escrever, mas foi a melhor professora que a vida me ofereceu.
Em 1976, entrei na escola com o sonho de um dia poder alfabetizá-la.
Infelizmente, não consegui, mas, pelo menos, a ensinei escrever seu nome, elevando,
e muito, sua autoestima, pois, isso, a possibilitou de tirar seu (primeiro)
documento de identidade. A partir daí, o constrangimento e a vergonha foram substituídos
pelo orgulho e a alegria em, simplesmente, possuir um documento e conseguir
assinar seu nome, sobretudo, em situações que a exigiam. Ela, na época com 35 anos,
finalmente sentia-se mais respeitada e útil perante a sociedade. Eu, com 8
anos, me sentia realizado e feliz por ter sido seu professor. Mas, fiz tão
pouco, comparado a tudo o que ela fez por mim (depois eu falo mais sobre isso).
Durante sua vida simples (100% dedicada ao
filho único), suas preocupações sempre foram relacionadas a ele. Algumas vezes,
deixava escapar qual era seu maior medo: “Quem vai cuidar do Sergio depois da
minha partida?” Bem... essa angústia foi diminuindo na medida em que ela foi
conhecendo Elis e acreditando que nosso amor era coisa séria. É mãe! Missão
cumprida! E quanto àquele seu medo, você foi embora tranquila, né?!
Neste momento, rendo minhas homenagens à
“Dona” Maria, resumindo meu sentimento em apenas três expressões: OBRIGADO!
PERDÃO! EU TE AMO!
2016
Hoje, entre alegrias e
saudades, vivo uma rotina gostosa ao lado de minha filha, minha esposa, meu pai
e nossa cachorra nervosa, e mais, em nossa casa própria (outro sonho realizado
graças ao empenho de Elis). Sim, por incrível que pareça, a rotina nos faz bem.
Deve ser porque ela é nos passa a sensação de que tudo está em ordem, e isso nos
proporciona paz e segurança. No entanto, compreendo que, de vez em quando, a
desordem é inevitável e necessária, pois ela nos traz crescimento e
aprendizado.
Minha vida mudou
radicalmente nos últimos anos, por vários motivos e acontecimentos, mas, sem
dúvida, a “coisa” que mais me transformou, por dentro e por fora, foi minha
filha. Ultimamente, ouço mais “Patati Patatá” do que “Pink Floyd”, sei tudo
sobre “Peppa Pig” e conheço cada personagem de “Chiquititas”. O coelhinho me
trouxe de volta aquele delicioso (e esquecido) sabor da Páscoa e não tenho
vergonha de dizer que conto os dias até chegar o Natal e receber a visita do
bom velhinho, só para ver e sentir a alegria estampada em seus olhinhos.
Agora, vamos falar em
saudade? Indiscutivelmente, minhas maiores lacunas internas são: minha mãe e
minhas pinturas. Sim! Sinto muita saudade dos momentos em que eu
"viajava" pelas cores das minhas paletas e movimentos dos meus pincéis.
Bem... deixa pra lá. Vida que segue. Afinal, não sou de lamentar (pelo menos
não em público... rs). Tudo o que TENHO atribuo às artes plásticas e, tudo o
que SOU, à minha família. Oscar Wilde tinha razão quando dizia que "o
segredo da vida está na arte".
Bem... Este é um resumo da
história de amor entre Profano e Gordinha.
Mas, eu gostaria de finalizá-lo com uma frase que, estranhamente, expressa meu
sentimento, neste momento: Cada ano que passa é um capítulo a mais na nossa
história e uma página a menos no nosso tempo de vida.
Sei lá... é isso.
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OBSERVAÇÕES:
Domingo foi “Dia dos
Namorados” e eu não postei nada sobre nós. Isto não significa que sou
insensível, porém, você sabe que não sou muito apegado às datas comemorativas.
Mas, hoje é um novo dia...
(de um novo tempo que começou... hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de
quem quiser, quem vier) ...e me deu vontade de relembrar nossa “incrível” história.
Antes, vale ressaltar que o adjetivo “incrível” não está relacionado ao fato de
sermos um casal diferente da maioria, ou seja, porque eu possuo uma deficiência
física e você “incrivelmente” me ama. NÃO!
Minha condição NÃO determina
a qualidade de nossa relação, muito menos a classifica como especial ou mágica!
Como qualquer outra “vida a dois”, nós também vivenciamos as mais diversas emoções,
adversidades, aventuras, ondulações e mesmices, assim como temos algumas diferenças.
E por falar em diferenças: A deficiência é apenas uma das minhas características
e, das particularidades que compõem nosso relacionamento, talvez ela seja sim a
mais expressiva, porém, nós dois sabemos que nosso amor está acima e além de
qualquer fato ou circunstância.
É claro que certas situações
são inevitáveis, visto que são necessárias algumas adaptações para meu
bem-estar e inclusão social. Também não podemos negar que, infelizmente, a
“marca” imposta pela cadeira de rodas ainda acarreta eventuais estranhamentos para
uma determinada parcela da sociedade, mas isso não é problema nosso, né amore? ...kkkkk...
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